terça-feira, 19 de julho de 2011

Desejo

Quisera eu que fôssemos
Natureza
Tu, vento cortante
Eu, montanha concreta
Eternamente
A nos embalar
O vento a chicotear-me as entranhas
Esculpindo molduras
Deixando rastros
Em meus cumes pontiagudos
Tirando, por vezes, pequenos pedaços
No vazio a espalhar
E a montanha,
Impávida
Numa brava resistência
Deixando-te entrar, esculpir, fecundar
E lá dentro ouvir
O teu grito, teu rangido, todo teu alvoroçar

Quisera eu, na eternidade
Em tuas nesgas me embalar
E quando se fizesse noite
Ouvir o teu canto
À montanha galgar, teu riso tosco
Tua violência
Teu eterno ir e vir

Quisera eu,
Ter o vento a esperar
Toda manhã, a tardinha
A noite, quando a lua faz clarão
Sentir o teu sopro
A montanha à castigar

Quisera eu...

Por Amor

Troco de roupa
troco de carro
troco de casa
troco de cama

Troco a minha pele
o meu dia
a minha noite

Troco meus olhos
meu medo
meu sorriso

Troco até mesmo de nome.

Carga

Trago para mim
As dores dos outros
Paixões alheias
Lágrimas de outros olhos
Trago para mim
Trago para mim olhares tristes
Gargantas secas
Corações oprimidos
Trago para mim
Esta dor que passa nas telas
Nas novelas
Nas vielas
Nas vidas alheias
Nos cantos escondidos
De ruas escurecidas
Trago para mim a tristeza da menina
Em seu abandono
Trago para mim a desilusão
Da mulher madura que perdeu o coração
Trago para mim o beijo amargo
Da despedida, da mordida
De lábio sangrando
Pr’a expurgar minha própria
Dor.